Das Fake News à Fake Sciences
Recentemente, o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília e a Chaire de Journalisme Scientifique Bell da Université Laval (Canadá) realizaram um seminário dedicado ao tema A desinformação científica como um problema público transnacional. O programa teve a originalidade de, a par da infodemia, da difusão de fake news e de outras derivas comunicativas, integrar a fake sciences como um problema.
Com efeito, as fake sciences são um tema pressentido dentro da academia, levemente discutido entre investigadores, mas frequentemente esquecido, se não mesmo silenciado pela sua incomodidade. O tema é tanto mais desafiante quanto implica a aplicação no interior da academia do mesmo pensamento crítico de que, habitualmente, a Universidade e os centros de investigação fazem uso para aplicar aos diferentes objetos científicos.
O pensamento crítico distingue-se da prestação de contas e de autoavaliação que a academia pratica regularmente – e bem –, mas em que muitas vezes se deixou enredar. A centralidade que as avaliações e os rankings assumiram na universidade fez com que ela entrasse numa lógica de produtividade que não promove o distanciamento e a reflexão que, normativamente, lhe é exigida e é socialmente esperado que desempenhe.
As fakes sciences são, aliás, em parte, o resultado da voragem académica pelos elementos de avaliação. Esse processo tem retirado tempo, distanciamento, reflexão e contexto ao pensamento académico que se está a deixar contaminar pelas mesmas lógicas mediáticas que promoveram os fast-thinkers, um conceito de Bourdieu, hoje mais atual do que nunca.
Não se preconiza uma universidade encerrada em torres de marfim. Porém, talvez tenhamos de nos questionar se os objetivos da avaliação das Universidades não substituíram as torres de marfim por novas lógicas de ensimesmamento.
Mais problemático é quando essas lógicas se internalizam para não apenas contaminarem as práticas, mas também os quadros teóricos de pensamento. Um dos sinais preocupantes disso mesmo poderá ser a facilidade com que expressões geradas num mundo político e social são transpostas e assumidas, por exemplo, pelas ciências da comunicação, parecendo responder mais a modismos do que a novos e verdadeiros objetos de análise científica.
Pelo menos tão preocupante quanto isso será também a permeabilidade crescente do pensamento científico aos diferentes ismos do momento, enquanto expressão mais ou menos assumida de correntes ideológicas. Independentemente da sua legitimidade, o problema destas abordagens verifica-se quando elas parasitam as ciências para nelas legitimarem os seus pontos de vista.
As ciências da comunicação, naturalmente, não estão imunes a estas lógicas como parte integrante do próprio campo científico. Poderemos até questionar-nos se, pela proximidade com o campo mediático, não estarão as ciências da comunicação mais expostas a essas lógicas sistémicas.
Fake news/fake sciences, solutions journalism/solutions science… eis alguns, entre tantos outros, binómios sobre os quais os media e as ciências da comunicação têm de refletir, enquanto objeto, e aprender, enquanto procedimento crítico: 1) para não se deixarem enredar internamente pelas suas lógicas; 2) para manterem a distância que lhes permita distinguir a espuma dos dias do que realmente importa.
Carlos Camponez Vice-Presidente da Direção da Sopcom |