Nome Adriana Fogel
Instituição Universidade do Porto
Áreas de investigação Comunicação e Educação, Publicidade, Comunicação e Saúde
ORCID https://orcid.org/0000-0002-0913-7498
CIÊNCIA VITAE https://www.cienciavitae.pt/portal/BB11-37EF-525D
Como começou o teu percurso como investigadora?
O meu percurso na investigação começou de forma pouco típica, pois se deu depois de mais de 15 anos de atuação, nas áreas da publicidade e do marketing, em empresas públicas e privadas do Brasil e começou por meio de uma nova licenciatura. Até então, eu nunca havia considerado a investigação como uma hipótese profissional.
A questão da minha pesquisa de mestrado nasceu da minha experiência enquanto consumidora de alimentos ultraprocessados que usam alegações nutricionais como argumentos de venda (diet, light, vitaminado, sem colesterol, etc). A história é um pouco longa, mas, em uma consulta nutricional, o profissional de saúde explicou-me que estas alegações, ainda que verdadeiras, não se traduziam necessariamente em produtos mais saudáveis e que eu precisava ler a lista de ingredientes e a composição nutricional para chegar a conclusões sobre o quão saudável (ou não) era o produto. É sabido que a publicidade usa diversas estratégias para nos persuadir, mas usar alegações científicas que potencialmente induzam a erro? Para mim, a questão passou a ser de saúde coletiva. Eu nunca havia trabalhado na área de alimentos, e aquilo causou-me muita inquietação. Eu achei que uma licenciatura em nutrição seria o melhor caminho para responder às minhas questões. Voltei à faculdade, e o meu tema de trabalho de conclusão de curso já estava definido desde o primeiro período: queria discutir a apropriação do discurso da educação alimentar e nutricional (EAN) pela publicidade. Quando contei isso para uma das minhas professoras da graduação, ela explicou-me que eu poderia fazer isso em um mestrado acadêmico. Fiz um outro processo seletivo, passei, e assim, iniciei o mestrado. Foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Com isso, seria impossível não abraçar a investigação. E foi o que eu fiz.
Qual foi o ponto de partida para o projeto de doutoramento que desenvolves? Fala-nos um pouco desse projeto.
Ele tem relação com a minha pesquisa de mestrado, em que eu analisei anúncios publicitários veiculados no Brasil que foram denunciados ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária em razão das suas alegações nutricionais. As minhas análises levaram-me a questões que ultrapassavam os media. Cheguei aos conflitos de interesse, aos problemas de saúde relacionados com a forma como o sistema alimentar atual se estrutura e à relação de autorreforço entre as multinacionais alimentícias e as empresas globais de media, um autorreforço que se caracteriza pelos elevados investimentos publicitários que estes conglomerados fazem e que fortalece os dois setores. Com presença em praticamente todos os países, estes grupos gigantescos e poderosos influenciam a forma como lidamos com os alimentos e têm mudado a cultura alimentar dos povos. A ação destes grupos é uma das causas da sindemia global, um conceito que indica a simultaneidade das epidemias de obesidade, má-nutrição e alterações climáticas. A partir destas descobertas, eu abracei o desafio de transmiti-las à audiência, mais especificamente aos adolescentes, em razão de características próprias desta fase, como o fato de ser o início da autonomia alimentar, da necessidade de aprovação pelos pares, da influência das redes sociais nos seus hábitos e, também, da ação deles nestas redes, uma vez que não se pode mais falar em audiências passivas. De tudo isso, nasceu o “Food Wide Web: um programa de literacia mediática e alimentar dirigido a adolescentes”, que é o tema da minha tese. Ele se desenvolveu em quatro escolas do grande Porto, públicas e particulares, sendo uma escola controlo e outra intervenção, em cada uma destas categorias. Minha ambição era desenvolver nos adolescentes não só a análise crítica dos conteúdos alimentares divulgados nos media, como também incentivá-los a colocar suas vozes nas suas redes, compartilhando os seus aprendizados a respeito deste tema.
O meu doutoramento é em Media Digitais, as minhas instituições principais de acolhimento são a FLUP, de onde é o meu orientador, o Professor José Azevedo, e o ISPUP, onde tive a oportunidade de conhecer a minha coorientadora, a Professora Patrícia Padrão, da FCNAUP.
Quais os principais desafios que encontraste no teu percurso enquanto investigadora? E que estratégias adotaste para lhes responder?
Foram muitos e aqui vou focar nos relacionados ao projeto. Creio que fui ambiciosa demais. Tanto a literacia mediática quanto a literacia alimentar – conceitos-chave na minha investigação – são terminologias sem consenso na literatura, o que traz uma série de implicações, incluindo o desafio de se encontrar instrumentos de mensuração eficientes. Para além disso, são assuntos abrangentes e eu precisava condensar o conteúdo em um número de sessões/aulas que se enquadrasse no currículo escolar e que fosse compatível com a calendarização das escolas. Outro desafio foi o contacto inicial com as instituições, especialmente com as escolas controlo, que não viam grande benefício no acolhimento do projeto. Outra questão desafiadora teve relação com o nosso tempo histórico: apresentei o projeto aos docentes no primeiro ano letivo pós-COVID, que deixou as escolas com o cronograma ainda mais estreito, por ser necessário recuperar as perdas na aprendizagem que o ensino remoto deixou. Para responder aos desafios, houve muita revisão de literatura, projeto-piloto, apoio de outros investigadores (das áreas da saúde, da comunicação e da educação) para a avaliação dos conteúdos e dos instrumentos de mensuração, diálogo constante com a comunidade escolar e a supervisão e suporte dos meus orientadores e das minhas instituições de acolhimento.
Definitivamente, a fase mais feliz da minha pesquisa se deu em sala de aula, pelo que só tenho a agradecer a todos os docentes e discentes que participaram do projeto. A parte mais difícil é a atual, a escrita da tese é um tempo solitário, algo totalmente diferente de tudo que eu experimentei na minha vida profissional. Lidar com isso tem sido um desafio. Descobri que sou mais feliz em contato com outras pessoas, e isso inclui um ambiente profissional em que exista um senso de partilha e de comunidade.
Atualmente, dedicas-te exclusivamente à investigação?
Sim, sou bolseira FCT e isso permite-me (e exige-me) dedicação exclusiva.
Imaginas o teu futuro ligado à investigação ou gostavas de conhecer outras áreas e enveredar por outros caminhos?
Eu sou uma apaixonada pela investigação e não me imagino longe dela. Adoraria seguir pela docência e vejo a vida acadêmica de forma muito estimulante. Como eu já conheci outras áreas, a investigação significa o tal enveredar por outros caminhos. Mas fui feliz em muitas empresas nas quais trabalhei e não fecho nenhuma porta. Amo trabalhar com publicidade e imagino-me feliz em qualquer atividade em que eu possa unir a publicidade com a saúde coletiva. Neste sentido, eu participo de um grupo de pesquisa no Brasil, o PESSOA, onde discutimos modelos de práticas da publicidade e propaganda aplicáveis à saúde e analisamos, avaliamos e criticamos os sistemas de publicidade e propaganda da atualidade, especialmente no circuito da propaganda de saúde empreendido no Brasil. Um dos meus objetivos é estabelecer relações entre o que estudamos lá e o que se faz aqui em Portugal, onde quero permanecer depois do doutoramento.
Falando sobre o futuro e pensando na união entre a publicidade e a saúde coletiva, vejo a área da alimentação como particularmente interessante. Além de tudo que se sabe sobre a importância dos hábitos alimentares na nossa longevidade e qualidade de vida, é de conhecimento público que as indústrias de alimentos estão sempre no ranking de maiores investimentos em publicidade. Acho inocente que os governos e a sociedade civil achem que ações de comunicação pontuais no dia da alimentação sejam suficientes para lidar com esta problemática. Precisamos falar de alimentação saudável o tempo todo, em todos os canais possíveis. Portugal tem um “produto” excelente em mãos: a dieta mediterrânea. Para torná-la mais atraente e combater o que os grandes conglomerados vêm fazendo com a nossa cultura alimentar, falta-nos comprometimento cidadão com esta causa, mas falta-nos também usar estratégias publicitárias eficientes, com investimento equivalente aos das multinacionais em comunicação. Por mais que isso pareça utópico, é esta utopia que me move.
Por que motivo integras o GT de Jovens Investigadores e o que mais gostas no grupo?
O GT de Jovens Investigadores surgiu-me como um oásis no meio da pandemia. Lembro-me como se fosse hoje da sessão em que o Élmano e a Bianca apresentaram o grupo em um encontro virtual do Programa Doutoral em Media Digitais. Aderi ao grupo logo depois desta sessão de apresentação e, desde então, só tenho elogios a fazer. Fui muito bem acolhida, o grupo oferece imensas oportunidades de participação e de integração, é ativo nas redes sociais e no envio de informações relevantes pelos mais diversos canais. Eu tenho certeza de que o nosso grupo continuará a ser uma referência dentro da Sopcom, reconhecido como um dos mais atuantes. Portanto, deixo aqui o convite para os jovens investigadores das ciências da comunicação de qualquer idade: juntem-se ao grupo! Eu recomendo demais.