A fast science e a vitória da formiga
Dos múltiplos “fundadores” da ciência moderna, Francis Bacon (1561-1626)
destaca-se pela forma como concebe não só o método da ciência mas também a
organização da atividade científica. Naquele que é geralmente considerado o seu
texto fundamental, o Novum Organum (publicado em 1620), Bacon introduz uma comparação que ficou célebre, e que
aqui citamos: “Aqueles que trataram das ciências foram ou empiristas ou
dogmáticos. Os empiristas, tal como as formigas, simplesmente acumulam e usam;
os racionalistas, tal como as aranhas, tecem teias a partir de si mesmos; o
caminho da abelha está no meio: leva os materiais das flores do jardim e do
campo, mas tem a capacidade de os converter e digerir.”(1)
Creio que, nos tempos mais recentes, e no que se refere em particular ao
campo das Ciências da Comunicação, temos vindo a esquecer a via da abelha e a
privilegiar, cada vez mais, a via da formiga, ou seja, a acumular dados e mais
dados e a pensar cada vez menos sobre eles – quiçá com o receio de que nos
classifiquem como aranhas.
Uma das consequências dessa tendência é a importância cada vez menor que
atribuímos quer aos congressos – vistos como perda de tempo ou mera passeata
turística -, quer aos livros - vistos como formas de publicação demasiado
morosas e pesadas. Em detrimento de congressos e livros, privilegia-se a
publicação de artigos em revistas científicas – e que são cada vez mais
limitados a dados empíricos, cada vez mais fatiados, com cada vez mais autores
e, no geral, cada vez menos significativos. O que parece imperar, nesta
atitude, é a luta contra o tempo, a procura da rapidez máxima, que carateriza
aquilo a que se tem vindo a chamar a fast
science. Paradoxalmente – ou talvez não -, quando cada um de nós pretende
citar um autor importante do nosso campo, raramente escolhe um seu artigo em
vez de um livro...
Estas minhas palavras não devem, contudo, ser interpretadas como uma
incitação à recusa de publicação de artigos em (boas) revistas científicas;
elas são, sobretudo, um apelo para que essa publicação não nos faça esquecer a
importância do encontro e da discussão alargada que só é possível nos
congressos e do pensamento lento e aprofundado que só é possível nos
livros.
_______
(1) Francis Bacon, The New Organon, I, XCV, Cambridge University Press, 2000, p. 79 (tradução minha).
Joaquim Paulo Serra