Os nomes e as coisas
Quando ainda se aguarda pela nomeação de um novo governo constitucional, mais uma vez presidido pelo Dr. António Costa, discute-se a questão de saber se a Educação, de um lado, e a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, do outro, deverão estar na mesma pasta ou em pastas diferentes.
Como sabemos, a designação e a composição do(s) ministério(s) destas áreas têm oscilado ao longo dos anos, desde a criação, em 1975, do Ministério da Educação e Investigação Científica. Foi com Mariano Gago que, em 1995, a ciência e tecnologia se autonomizaram da educação, da cultura e outras áreas, vindo a juntar-se-lhes o ensino superior em 2002 (ministério de Pedro Lince). A junção entre ciência, tecnologia e ensino superior tem-se mantido desde essa altura, apenas com a interrupção do período do governo da Troika, entre 2011 e 2015.
Mas esta questão, que também é nominal e simbólica, está muito para além disso. Ela é, em primeiro lugar, uma questão de substância e de rumo.
De facto, se atentarmos no que tem acontecido com o atual ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, liderado por Manuel Heitor entre 2017 e 2021, o mínimo que se pode dizer é que a coisa não tem feito justiça ao nome. Assim, da meia dúzia de anos do seu ministério – que foi sempre mais da ciência e tecnologia que do ensino superior, contribuindo para o afastamento ainda maior de ambas as áreas -, fica-nos um conjunto de desafios essenciais por resolver, e em que se incluem a promoção e estabilidade do emprego científico, a integração dos doutorados no mercado de trabalho, a promoção dos professores auxiliares e associados na carreira docente, a redução do financiamento dos projetos de investigação ou, ainda, a revisão de diplomas legais tão fundamentais como o ECDU ou o RJIES (e cuja falta de revisão tem implicado soluções pontuais e de constitucionalidade duvidosa como são os “concursos internos de promoção”…).
Particularmente relevante neste contexto é a imperturbável ignorância, por parte do MCTES e da sua FCT, das associações científicas na resolução desses desafios. Como refere Ana Delicado em texto sobre este tema, que vale a pena citar com alguma extensão, “ao nível da Fundação para a Ciência e Tecnologia, os Conselhos Científicos (…) são compostos por indivíduos escolhidos pela sua pertença institucional, sem que as sociedades científicas da área sejam ouvidas na sua seleção. No fértil domínio das políticas científicas das últimas décadas, as associações científicas primam pela ausência. Legislou-se sobre carreiras científicas, bolsas, instituições de investigação, avaliação, emprego científico. Em nenhum diploma se referem as associações científicas. E, tanto quanto se sabe, em nenhum caso foram consultadas (à exceção, claro, dos sindicatos e associações que representam bolseiros e investigadores).” (Delicado, 2020, pp. 44-5).
Sabemos que, para que uma governação seja democrática, não basta que os seus responsáveis tenham sido eleitos democraticamente; ela deve implicar, também, um exercício democrático do poder, promovendo a audição e participação dos cidadãos e das suas associações. Quando agora tanto se fala na relação entre a ciência e os cidadãos, e se propala mesmo uma “ciência cidadã”, porque é que que não se começa por ter em conta esses cidadãos que são os cientistas e as suas associações?
Paulo Serra
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