Mário Mesquita (1950-2022)
O último dos intelectuais do jornalismo
Está a fazer agora um ano (15 de junho) que, na apresentação do livro A Liberdade por Princípio, publicado em sua homenagem, Mário Mesquita me surpreendeu ao dizer publicamente como gostaria de ser recordado no seu epitáfio: "morreu o jornalista Mário Mesquita, que, distraído como era, deixou caducar a carteira profissional". Recebi as palavras como mais uma expressão do seu arrojo em falar, com a tranquilidade das palavras certas, sobre coisas que não gostamos ou não queremos ouvir. No passado dia 27 de maio, “o Mário” deixou-nos, inesperadamente.
Mário Mesquita foi, para além de jornalista, um cidadão politicamente empenhado, que se distanciou da política, sem dela se desligar, e um académico cujo valor está bem presente na resistência ao tempo dos seus textos. Afinal, apesar das referências ao seu epitáfio, como ele próprio reconheceu, foi mais anos professor do que jornalista. Foi fundador do Partido Socialista; subscreveu a ata de fundação da Sopcom; foi fundador, faz em 2023 30 anos, da primeira licenciatura em Jornalismo numa universidade portuguesa, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Professor Honoris Causa pela Universidade Lusófona do Porto, recebeu, a título póstumo, a Ordem da Liberdade.
Guardo de Mário Mesquita a imagem do intelectual: o último dos intelectuais que o jornalismo português teve, enredado que está na corrida do comentário instantâneo; e que a academia tem cada vez mais dificuldade em criar, ensimesmada que está no seu ensejo de produzir investigação para índices de avaliações que já nem os académicos conseguem ler.
A dimensão intelectual e humanista de Mário Mesquita inscreve-se nesse percurso instável de jornalista, de académico e de político, que sempre recusou fazer da sua profissão uma carreira. Esse posicionamento sempre lhe permitiu um distanciamento face ao mundo e às coisas, que vejo muito bem espelhado no título do seu livro que recolhe 20 anos de textos publicados nas colunas do Diário de Notícias e do Público: O Estranho Dever do Cepticismo. Como ele próprio escreveu, parafraseando também Salman Rushdie: “Dever porque ‘o cepticismo e a liberdade têm (…) um vínculo mútuo incindível’. Cepticismo porque a política é o trabalho interminável dominado pela incerteza dos cálculos, dos objectivos e pelas oscilações dos seus próprios atores”.
O jornalismo crítico e a figura intelectual de Albert Camus inspiraram-no. De alguma forma sentiu também, quer no jornalismo, quer na academia, quer na vida pública, o isolamento e, nalgumas circunstâncias, o ostracismo vivido por Camus.
“O Mário” – expressão a que recorri depois de, várias vezes, instado a abandonar a palavra professor – partilhou comigo, entre centenas de obras já selecionadas da sua biblioteca, o seu projeto de trabalhar a figura do intelectual. Desse projeto só nos ficará a sua experiência de vida.
Carlos Camponez
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